Que mundo é este em que viviam Marielle, Cláudio e 29 policiais?
Que mundo é este? Marielle, Cláudio e 29 Policiais.
ASSALTARAM
MARIELLE, EXECUTARAM UM PAI NA FRENTE DO FILHO
E ELIMINARAM 29 POLICIAIS.
Por Sandra Braconnot
Não errei. É assim que eu penso, vejo
e sinto os últimos acontecimentos, aqui no nosso
Rio de Janeiro, na nossa (!) Cidade
Maravilhosa (?). E é muito mais do que triste, lamentável ou revoltante. É um
misto de sentimentos que, juntos, ainda é inominável. Não há uma única palavra
que possa exprimir o que estamos vivendo. Barbárie? Ainda ficaria aquém.
Entre tantas inversões de valores –
morais, sociais, políticos e religiosos –, permito-me, fundamentada na
liberdade poética, trocar (sem culpa) os verbos. Sim... assaltaram a Marielle
no meio do caminho. Executaram o Cláudio na frente de seu filho de cinco anos,
quando iam fazer compras. E eliminaram das ruas e de suas casas 29 policiais. Não faz mais sentido – te pergunto?
Há uma outra questão que me vêm à cabeça,
na mistura desses casos. Uma citação antiga, atribuída a Voltaire:” Há sempre dois pesos e duas
medidas para os direitos dos reis e os direitos dos comuns” (“Il y a toujours
deux poids et deux mesures pour tous des droits des rois et des peuples”).
Na Bíblia, no Livro de Deuteronômio, capítulo 25, versículos (13-16), também
encontramos uma referência que nos adverte sobre a injusta prática:
“Não carregueis
convosco dois pesos, um pesado e o outro leve, nem tenhais à mão duas medidas,
uma longa e uma curta. Usai apenas um peso, um peso honesto e franco, e uma
medida, uma medida honesta e franca, para que vivais longamente na terra que
Deus vosso Senhor vos deu. Pesos desonestos e medidas desonestas são uma
abominação para Deus vosso Senhor.”
Quando eu
tinha meus doze anos, comecei a fazer um curso de jornalismo por correspondência
e ainda me lembro da primeira lição: Se
um cachorro morde um homem, não é notícia, mas dependendo de quem seja esse
homem, poderá ser manchete de primeira página. Perceberam aonde eu quero
chegar? Eu sempre questiono o porquê do quem
ser mais “importante” do que o quê.
MARIELLE, CLÁUDIO E OS POLICIAIS
Marielle era uma voz forte que gritava alto contra as
injustiças, as desigualdades, as diferenças entre pretos e brancos, ricos e
pobres, homossexuais e heterossexuais. Nasceu pobre. Na favela. No meio dos “marginais”.
Mas não ficou à margem. Vivendo na Maré, bairro com a segunda maior taxa de
analfabetismo do Rio, estudou, se formou, fez mestrado. Se candidatou a
vereadora e foi eleita com 46 mil votos. Questionou, vociferou, acusou. Morreu.
Súbita e violentamente. De assalto. E num salto, a vereadora, a quinta mais
votada, e o motorista que fazia “bicos”, passaram da vida para a morte
provocando gritos de dor e protesto pela interrupção de um futuro melhor. Acordaram-nos no meio do sonho! Entretanto, no mesmo dia, um outro grito, dado
por um menino de cinco anos, ecoou inaudível: “Mataram meu pai”.
Marielle, começou a defender os Direitos Humanos impulsionada
pela dor. Sua melhor amiga morreu, em 2005, vítima de uma bala perdida. A
partir dessa tragédia pessoal, Marielle “se achou” e decidiu viver para evitar
tragédias sociais vividas principalmente pelos menos favorecidos. Acusou a
polícia de agir com violência com moradores da favela. No entanto, somente esse
ano, 29 policiais morreram violentamente. Em 2017, 134 agentes foram mortos e
destes, 38 foram executados pelo “crime” de serem policiais. Mas quem se
importou? Quem gritou? Quem sentiu a dor das famílias enlutadas?O Brasil está de Luto. É fato. Mas por quem ou por quê? Porque mataram uma negra, favelada, homossexual, vereadora da Cidade Maravilhosa, eleita com 46 mil votos, cujos gritos estavam incomodando mais do que 100 elefantes? Não! Decididamente não – apenas, mas também!
Nosso pesar vai além do brutal assassinato da vereadora que o
mundo todo noticiou e lamentou. “Vestimos preto” também pelas mortes diárias de
anônimos desconhecidos que não saem em nenhuma mídia e muitas vezes nem números
viram. Choramos pelos desempregados que perderam a dignidade quando foram
despedidos das empresas que faliram em consequência da crise econômica e moral fabricada pelos corruptos e seus corruptores. Pranteamos
com as mães que perderam seus filhos; pelos filhos que perderam seus pais;
pelas mulheres que perderam seus maridos e pelos maridos que perderam suas
esposas. Lamentamos por tantas mortes sem sentido, mas que são sentidas por
tantas pessoas.
Que tiro foi esse?
Não... A pergunta que deveria
viralizar é Que mundo é esse? - que nem a palavra barbárie consegue definir. Vivemos num estado de crueldade, de falta de
humanidade, de selvageria que não se iniciou “hoje”. A história nos prova
peremptoriamente que o ser humano é capaz de ter comportamentos desumanos,
bestiais, bárbaros. A questão não está na maldade (que sempre existiu), mas na
omissão dos “bons”, na indiferença de tantos e na “apatia social” que ignora a
pergunta feita por um menino de cinco anos, desesperado: “Mataram meu pai?”
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Marielle presente.
Um pai ausente.
Policiais, pela
conjuntura, inertes.
Pessoas indiferentes e
descrentes.
Que mundo é esse?
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